Como eu poderia sentir falta de algo que prejudicou minha saúde, minhas relações, meu trabalho, meu raciocínio? Como posso sentir falta de um momento onde, claramente, eu não era mais eu? Talvez porque ali, dentro da loucura da minha cabeça, eu me sentisse mais eu do que nunca, mesmo que para os outros, eu não fosse.
O que significa ser eu, na verdade? Porque, quando não estou em mania – o que, até o momento, aconteceu de cinco em cinco anos, por três vezes – eu estou por muito tempo depressiva, ou preguiçosa, ou sedentária; eu sou essa pessoa? Porque eu me lembro de já ter sido eu e eu não era assim.
Eu tinha vontade de viver, de trabalhar, de cuidar de mim e da minha casa; tinha vontade de me movimentar, de ler e ouvia músicas todos os dias; eu reclamava sim, mas conseguia sonhar e me organizar pra colocar esses sonhos no papel... Tudo isso antes do primeiro surto.
Foi como se, por ter sido tanto eu, eu tivesse desbloqueado uma versão turbinada de mim mesma. E foi horrível. E maravilhoso. O medo de voltar para isso sempre foi tão real quanto a certeza de que vivi os melhores dias.
De fato, o que tem de bom em depender dos outros? Em ser altamente medicada? Em não conseguir dormir? Em ser tida como louca pelo mundo à sua volta? Mas o que tem de ruim em receber tanta atenção e cuidado? Em poder agir como criança? Em viver conforme a realidade da minha cabeça? Em ter tempo para criar, sonhar, produzir... Viver?
Parece que, após ter entendido que eu não podia ser tanto eu quanto sou, pois isso me traria riscos de ter outro episódio de mania, menos eu fui me permitindo ser. Hoje eu sei que não posso ficar sem remédios, não posso fugir da rotina de sono, não posso abraçar muitos planos e projetos ao mesmo tempo. Com isso, eu acabo fazendo o mínimo, sempre.
Quanto menos eu faço, por medo de ter outro episódio que, para além de traumático, é libertador, menos eu me sinto eu; quanto menos me sinto eu, mais sinto saudades da mania, pois, além de eu ser produtiva e me sentir eu, viva, disposta, eu fazia sentido, talvez não para os outros, mas para mim. É como se a mania tivesse se tornado meu referencial de normalidade porque nela eu já não tinha medo (da própria mania, que ironia).
Eu sei, racionalmente, que se eu acordar cedo, fazer atividade física, estudar, trabalhar, cuidar da casa, ter um momento de lazer e repetir isso todos os dias e todas as semanas, eu não vou, necessariamente, voltar para aquele lugar. Mas eu sinto que vou, porque é como se, quanto mais eu for eu, enérgica, feliz e produtiva, mais chances eu vou ter de querer abraçar o mundo com as pernas e... Me tornar mais eu do que nunca.
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