Família,
segundo Michaelis, é uma palavra de oito significados, dentre eles o que mais
se encaixa no contexto que vou usar hoje é o terceiro: “Pessoas do mesmo sangue
ou não, ligadas entre si por casamento, filiação, ou mesmo adoção; parentes,
parentela.”. Nunca conheci meu avô materno pessoalmente, minha avó, também
materna, morreu quando eu tinha uns seis anos; lembro-me do quão triste fiquei,
mas não houve tempo para aquele laço entre mim e ela. Meus avós paternos não
eram próximos do meu pai, consequentemente, não tive aquele laço com eles
também, eu quase fui uma pessoa daquelas que não sabe o amor que é ter um pai
ou mãe com açúcar, um avô, se não fosse pelo Adilson.
Adilson criou
minha mãe, ou melhor dizendo, ela trabalhou como empregada, quando muito nova, na casa da família dele, mas o laço que eles tiveram foi como de pai e filha
também. Ele era amigo da família dela, amigo dos meus tios, queria bem a todos
eles e até trabalhou com um dos irmãos da minha mãe, mas independente disso
tudo ele era o meu avô, era assim que eu sempre o tratava e falava dele para as
pessoas. Ele foi o avô que me encheu de alegrias, presentes, brincadeiras,
passeios, novidades. Eu ganhava CDs da Sandy e Júnior e da Floribella, aliás
foi graças a ele que completei o álbum dela. Adilson me levava pra pescar com
ele, eu odiava ficar quieta e em silêncio, mas ele era tão legal e tão
inteligente e tinha um cheirinho de avô misturado com amor que eu nem ligava se
estava chato.
Eu fiquei
doente quando eu tinha lá meus onze anos; lembro-me que ele também estava lá. Era
preciso que eu ficasse de repouso e me alimentasse com muitos suspiros, então ele
sempre me levava suspiros. Ele sempre cuidou da minha mãe e de mim, sempre
perguntava se estávamos precisando de alguma coisa e por mais que disséssemos
que não, ele sempre sabia. Minha casa está repleta de lembranças do Adilson.
Desde fotos, até a persiana da janela do meu quarto que com muito custo eu
deixei minha mãe tirar. Ele também está na bancada da cozinha, mas o lugar onde
ele se encontra em grande quantidade é no meu coração – e na minha memória. Qualquer
passeio ao supermercado, ou ao sítio em Santa Branca, ou até mesmo a volta para
casa ouvindo Alcione e cantando alto no carro era uma alegria desmedida.
Um dia,
quando eu já era adolescente, Adilson bateu o carro. Mas ele ainda sabia que eu
me chamava Gabriella. Ele ainda se lembrava do caminho de casa e vinha visitar
minha mãe no aniversário dela e eu no meu. Até que ele não veio. Um ano. Dois anos.
A ausência do Adilson me mostrou tudo isso que hoje é claro pra mim, o quanto
aprendi com ele e o quanto o amo por ser o avô que meu coração escolheu. Por fim,
questionei minha mãe firmemente e descobri que Adilson estava com Alzheimer,
pedi muito para minha mãe me levar para visitá-lo, porém só ele a adotou como
filha, a mulher dele tinha minha mãe apenas como uma moça que trabalhara em sua
casa. Não fomos. Nunca. “Filha, o Adilson não vai lembrar-se de você, é melhor
guardarmos lembranças boas dele.” Eu aceitei.
Então, no
começo desse ano assisti: “Para Sempre Alice” e chorei tanto que o filme ficou
mais tempo em pausa do que rodando. Chorei de ir lavar o rosto e tomar um ar na
garagem. Desesperei-me e liguei para a mulher do Adilson, me identifiquei para
que ela se lembrasse de mim e prometi ir visitá-lo. Não consegui. Não tive coragem,
amarelei mesmo. Depois de anos sem ver meu avô, a ideia de vê-lo e saber que
não se lembraria de mim não me agradava nem de longe. Eis que os meses passaram
e minha mãe me diz: “Um Adilson que trabalhou com meu irmão faleceu sábado...
Acho que é o Adilson.” Bateu desespero, segurei o choro e o fio da esperança,
pedi que ela tivesse certeza. Então a certeza veio: meu querido avô havia
falecido.
Não deu
pra segurar, chorei, mas não foi aquele choro de quando assisti a Alice não
reconhecendo a própria filha, foi um choro contido. Quando vi minhas amigas que
também adoravam o meu avô, contei pra elas. A expressão de dor no rosto de cada
uma não ajudou, meu coração apertou e eu resolvi abafar esse sentimento o
máximo que pudesse. Ignorando o livro do Paulo Coelho que ele assinou, ou as
fotos, ou até mesmo aquela bancada que ele mesmo fez. Na hora certa o luto chegaria,
na hora certa eu aceitaria, na hora certa eu olharia todas as nossas fotos,
ouviria os CDs e releria o livro “O Vencedor Está Só” de Paulo Coelho, onde Adilson
assinou.
A coragem
chegava bem na ponta dos dedos, depois o medo não me deixava e eu esquecia a
ideia de olhar as fotos. Eis que hoje, procurando o que estudar pra faculdade,
abri as imagens do meu computador e comecei a olhar, não fazia ideia do que ia
achar. Uma foto dele. Que eu tirei com a minha primeira câmera digital, quando
era moda e todo mundo tinha, sabe? A minha foi ele quem deu e aquela foi a
primeira foto para testar a câmera. O choro veio antes do pensamento. A dor
veio quase física. A saudade aperta o meu coração com a força que aperto as
teclas para escrever isso aqui. Toda essa história me voltou em um segundo e eu
só queria ter podido dar um último abraço no melhor amigo da minha infância, no
avô que não precisou de laços sanguíneos para ter sido a pessoa mais presente.
Adilson,
meu amigo e avô querido, se eu pudesse ter te dito em vida que você era um ser
humano iluminado, que você me ensinou infinitas coisas que jamais esquecerei e que
seu cheiro de avô misturado com isca de peixe ainda está na minha mente. Que seu
sorriso calmo de quem soube viver a vida ainda passa como flash na minha
memória. Se tivéssemos tido mais tempo, talvez você tivesse ficado com orgulho
da neta postiça que conquistou. Se tivéssemos mais tempo cantaríamos umas músicas
da moda, em vez de Alcione e talvez você estivesse ficado meu lado em outro
momento difícil, ao contrario de mim, que não estive do seu. Em resumo,
Adilson, você se foi, mas sempre estará em meu coração com muito amor.