quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Desabafo sobre um amor chamado Adilson


Família, segundo Michaelis, é uma palavra de oito significados, dentre eles o que mais se encaixa no contexto que vou usar hoje é o terceiro: “Pessoas do mesmo sangue ou não, ligadas entre si por casamento, filiação, ou mesmo adoção; parentes, parentela.”. Nunca conheci meu avô materno pessoalmente, minha avó, também materna, morreu quando eu tinha uns seis anos; lembro-me do quão triste fiquei, mas não houve tempo para aquele laço entre mim e ela. Meus avós paternos não eram próximos do meu pai, consequentemente, não tive aquele laço com eles também, eu quase fui uma pessoa daquelas que não sabe o amor que é ter um pai ou mãe com açúcar, um avô, se não fosse pelo Adilson.

Adilson criou minha mãe, ou melhor dizendo, ela trabalhou como empregada, quando muito nova, na casa da família dele, mas o laço que eles tiveram foi como de pai e filha também. Ele era amigo da família dela, amigo dos meus tios, queria bem a todos eles e até trabalhou com um dos irmãos da minha mãe, mas independente disso tudo ele era o meu avô, era assim que eu sempre o tratava e falava dele para as pessoas. Ele foi o avô que me encheu de alegrias, presentes, brincadeiras, passeios, novidades. Eu ganhava CDs da Sandy e Júnior e da Floribella, aliás foi graças a ele que completei o álbum dela. Adilson me levava pra pescar com ele, eu odiava ficar quieta e em silêncio, mas ele era tão legal e tão inteligente e tinha um cheirinho de avô misturado com amor que eu nem ligava se estava chato.

Eu fiquei doente quando eu tinha lá meus onze anos; lembro-me que ele também estava lá. Era preciso que eu ficasse de repouso e me alimentasse com muitos suspiros, então ele sempre me levava suspiros. Ele sempre cuidou da minha mãe e de mim, sempre perguntava se estávamos precisando de alguma coisa e por mais que disséssemos que não, ele sempre sabia. Minha casa está repleta de lembranças do Adilson. Desde fotos, até a persiana da janela do meu quarto que com muito custo eu deixei minha mãe tirar. Ele também está na bancada da cozinha, mas o lugar onde ele se encontra em grande quantidade é no meu coração – e na minha memória. Qualquer passeio ao supermercado, ou ao sítio em Santa Branca, ou até mesmo a volta para casa ouvindo Alcione e cantando alto no carro era uma alegria desmedida.

Um dia, quando eu já era adolescente, Adilson bateu o carro. Mas ele ainda sabia que eu me chamava Gabriella. Ele ainda se lembrava do caminho de casa e vinha visitar minha mãe no aniversário dela e eu no meu. Até que ele não veio. Um ano. Dois anos. A ausência do Adilson me mostrou tudo isso que hoje é claro pra mim, o quanto aprendi com ele e o quanto o amo por ser o avô que meu coração escolheu. Por fim, questionei minha mãe firmemente e descobri que Adilson estava com Alzheimer, pedi muito para minha mãe me levar para visitá-lo, porém só ele a adotou como filha, a mulher dele tinha minha mãe apenas como uma moça que trabalhara em sua casa. Não fomos. Nunca. “Filha, o Adilson não vai lembrar-se de você, é melhor guardarmos lembranças boas dele.” Eu aceitei.

Então, no começo desse ano assisti: “Para Sempre Alice” e chorei tanto que o filme ficou mais tempo em pausa do que rodando. Chorei de ir lavar o rosto e tomar um ar na garagem. Desesperei-me e liguei para a mulher do Adilson, me identifiquei para que ela se lembrasse de mim e prometi ir visitá-lo. Não consegui. Não tive coragem, amarelei mesmo. Depois de anos sem ver meu avô, a ideia de vê-lo e saber que não se lembraria de mim não me agradava nem de longe. Eis que os meses passaram e minha mãe me diz: “Um Adilson que trabalhou com meu irmão faleceu sábado... Acho que é o Adilson.” Bateu desespero, segurei o choro e o fio da esperança, pedi que ela tivesse certeza. Então a certeza veio: meu querido avô havia falecido.

Não deu pra segurar, chorei, mas não foi aquele choro de quando assisti a Alice não reconhecendo a própria filha, foi um choro contido. Quando vi minhas amigas que também adoravam o meu avô, contei pra elas. A expressão de dor no rosto de cada uma não ajudou, meu coração apertou e eu resolvi abafar esse sentimento o máximo que pudesse. Ignorando o livro do Paulo Coelho que ele assinou, ou as fotos, ou até mesmo aquela bancada que ele mesmo fez. Na hora certa o luto chegaria, na hora certa eu aceitaria, na hora certa eu olharia todas as nossas fotos, ouviria os CDs e releria o livro “O Vencedor Está Só” de Paulo Coelho, onde Adilson assinou.

A coragem chegava bem na ponta dos dedos, depois o medo não me deixava e eu esquecia a ideia de olhar as fotos. Eis que hoje, procurando o que estudar pra faculdade, abri as imagens do meu computador e comecei a olhar, não fazia ideia do que ia achar. Uma foto dele. Que eu tirei com a minha primeira câmera digital, quando era moda e todo mundo tinha, sabe? A minha foi ele quem deu e aquela foi a primeira foto para testar a câmera. O choro veio antes do pensamento. A dor veio quase física. A saudade aperta o meu coração com a força que aperto as teclas para escrever isso aqui. Toda essa história me voltou em um segundo e eu só queria ter podido dar um último abraço no melhor amigo da minha infância, no avô que não precisou de laços sanguíneos para ter sido a pessoa mais presente.

Adilson, meu amigo e avô querido, se eu pudesse ter te dito em vida que você era um ser humano iluminado, que você me ensinou infinitas coisas que jamais esquecerei e que seu cheiro de avô misturado com isca de peixe ainda está na minha mente. Que seu sorriso calmo de quem soube viver a vida ainda passa como flash na minha memória. Se tivéssemos tido mais tempo, talvez você tivesse ficado com orgulho da neta postiça que conquistou. Se tivéssemos mais tempo cantaríamos umas músicas da moda, em vez de Alcione e talvez você estivesse ficado meu lado em outro momento difícil, ao contrario de mim, que não estive do seu. Em resumo, Adilson, você se foi, mas sempre estará em meu coração com muito amor.