quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Costureira de palavras


Meu pai é modelista, cresci no meio de retalhos, espetando o dedo na agulha fazendo vestidos para minhas bonecas. Ele diz que fiz minha primeira "roupa" aos três anos de idade, vê se pode? Nem ia para escola, mas se metia no meio de panos e agulhas. Cresci vendo a paixão nos olhos dele com cada peça que fazia, cada pedacinho de pano que ele costurava e magicamente virava uma roupa sob medida para alguém, perfeita para uma só pessoa.

Por um tempo achei que quisesse ser costureira quando crescesse, até hoje às vezes penso que quero. Isso é mágico. Transformar o nada em qualquer coisa. Mas essa é a paixão dele, o dom dele, talvez não seja o meu. Costurar um terno todinho, ver que não agradou aos olhos, que o lado esquerdo está 7mm maior, desfazer tudo e costurar de novo, definitivamente não é pra mim.

Por outro lado, sozinha encontrei meu amor e, talvez, meu dom. Conheci a Pollyanna, o Marcelo, o Colin, o Harry, o Zezé, a Liesel, a Anne, incontáveis pessoas que me mostraram, cada um deles, um mundo o qual eu vivi por muito tempo. Um mundo o qual jamais esquecerei. Cada personagem, livro, texto, página, autor, crônica, poesia, cada frase e vírgula marca a minha alma de um jeito que não tem explicação.

Hoje me dei conta de que também costuro, desde os dez anos de idade, conforme mais costuro mais aperfeiçoo meu trabalho. Se não está bom eu apago, refaço, remonto, recrio, reinvento. Perco cinco horas em um texto, se precisar. Herdei o dom do meu pai, mas com matérias primas diferentes que fazem mágicas diferentes.

Nós dois damos vidas às coisas. Nós dois ligamos os pontos, nós dois perdemos horas em busca da perfeição. Cada vírgula deve estar no lugar, digo, cada ponto, ou melhor, as duas coisas. Ele cria mágica aos olhos, eu também. A mágica dele pode tocar o coração de alguém, a minha também. Ele costura retalhos, por vezes, palavras. E eu? Palavras e, por vezes, me arrisco nos retalhos.