Somos
programados a acreditar na estrutura perfeita de família: mãe e pai,
posteriormente um ou dois filhos, todos felizes para sempre. Confesso que nunca
vivi esse conto. Confesso ainda que, se vi esse conto na vida real umas quatro
vezes, foi muito. Até os mais céticos acreditam nisso, mesmo sem perceber.
A
estrutura familiar que conheço, na maior parte das vezes, é uma bagunça! Compõe-se
de pai casado, com filhos, uma amante e um bebê. Uma adoção. Irmãos com
diferença de idade tão grande que não criaram laços, quando a caçula nasceu o
mais velho havia acabado de se casar. Um casal e ponto final. Uma mulher e um
gato, um homem e um cachorro, ou o contrário.
Dentro
desse conto vem outro ainda maior: que devemos amar nossa família acima de
tudo. Mas, o que é família exatamente? A mãe que pariu ou a avó que criou? O
pai que sumiu ou o padrasto que trocou todas as fraldas? O irmão de sangue que
não cresceu junto ou o vizinho que se tornou um irmão de alma? Quem impôs quem
cada um deve amar, afinal?
Se
eu tive mais afinidade com minha prima ou minha vizinha do que com minha irmã,
preciso me sentir culpada por não amá-la incondicionalmente? Afinal, ela é
sangue do meu sangue. Se a filha da minha melhor amiga se tornou minha afilhada
e minha sobrinha não me reconhece na rua, a culpa é minha? Afinal, filha da
minha irmã, deveria ser o meu xodó.
O
ser humano é tão diverso e tão plural que seria um erro tentar mensurar o que é
família para cada um de nós. O que nos cabe é respeitar a história que cada
indivíduo traz consigo e valorizar os laços que criamos com aqueles por quem
tanto prezamos. Pois a família é feita assim: dia após dia, e as conexões entre
as pessoas vão muito além das classificações genéticas que, feliz ou infelizmente,
colocam-nos sob o mesmo teto (ou não).
Criar
a expectativa, dentro de nós, de que nossos familiares estarão sempre ali, nos
amando e apoiando é criar a primeira frustração da nossa vida. Amar é um
sentimento tão intenso para que alguém imponha como se deve conjugá-lo. Ninguém é obrigado a amar alguém somente porque compartilha de seu sangue ou de
seu sobrenome.
Redigido com a ajuda de Denis Fonseca.