sábado, 15 de setembro de 2018

Bloqueio Criativo


"Bloqueio criativo é um fenômeno envolvendo a perda temporária da habilidade de continuar a gerar conteúdo, geralmente por falta de inspiração ou criatividade."

Escrevo há pouco mais de uma década e sofro desse mal antes mesmo de tomar consciência de que escrevia; hoje me deu saudades de falar sobre alguma coisa e, por que não sobre isso?

Lembro-me do meu primeiro bloqueio, eu ainda não tinha meu blog e salvava todas as minhas crônicas no meu computador, aqueles brancos de tubo, que a gente conectava na Internet discada e protegia o computador com capas plásticas, lembra? Um belo dia ele decidiu descansar em paz e eu perdi todos os meus textos. Passei seis meses em luto por isso, remoendo e repensando cada palavra e vírgula que eu havia perdido. Quando voltei a sentir a necessidade de escrever, criei o blog para que as chances de perder meus textos novamente fossem drasticamente reduzidas – não vamos dizer extintas, porque nunca se sabe quando uma plataforma resolve sair do ar.

Meu segundo grande bloqueio foi quando cheguei à conclusão (depois de muito ler e pensar em paranoias desnecessárias) de que tudo já havia sido escrito. Absolutamente tudo. Então, passei alguns meses pensando que eu tinha um dom/hobby/amor por algo “desnecessário”; todas as histórias que foram e continuam sendo contadas são e sempre serão as mesmas, por mais que eu me empenhasse em algum trabalho e modificasse sutil ou drasticamente o enredo, eu sentia que não estava fazendo nada de novo, e isso me desmotivava. Mas percebi que, apesar disso, a agitação interna de querer explicar, mais uma vez e sob outros pontos de vistas, era maior do que o desconforto em saber que alguém já havia estado ali antes. 

Então, pela terceira vez, fui bloqueada após três semestres cursando Psicologia, onde minha visão de mundo havia começado a se modificar e, inquestionavelmente, meu vocabulário também. Ao mesmo tempo em que eu gostava de ter um novo repertório e uma nova linha de raciocínio nos meus textos, eu já não me reconhecia neles ao finalizá-los; esse bloqueio perdurou um ano. Escrevi com uma frequência pequena, mas boa o suficiente para que eu aceitasse e aprendesse que aquele era o meu estilo de escrever, por assim dizer, a partir de então. E mais, aceitei que isso vai mudar constantemente com o passar dos anos e nada posso fazer a respeito. 

Pela quarta e última vez (por enquanto, pois é o bloqueio onde ainda me encontro) foi quando eu percebi que já não havia motivos para escrever suficientes que suprissem a minha vontade de fazê-lo. Eventualmente, como agora, sinto a necessidade de escrever à quem me lê como alguém que escreve à um amigo, sem um enredo elaborado, sem dizer sobre um coração partido ou transbordando de amor, apenas compartilhar uma informação; seja ela uma banalidade do meu dia ou uma angústia que me inquieta. Mas eu, que passei minha primeira década com o olhar distante de quem me lê, sem realmente trocar uma ideia, sem falar informalmente, sempre te fazendo sentir meus textos como se fosse uma sensação sua, e não minha, me vi completamente perdida.

Agora, por exemplo, fico me questionando se você está pensando algo como: "Que legal! Conhecer a parte mais humana e menos a poética.", ou se realmente já não está pensando nada, pois não consegui prender sua atenção até aqui (se for esse o caso, me desculpe, mas preciso fazê-lo primeiro por mim). Em todo caso, se esse bloqueio vai passar, como os anteriores, ou se me adaptarei a ele, como o último, só o tempo para nos dizer. Talvez eu aceite um meio termo e siga sendo não só alguém que descreva uma emoção sua, mas também alguém que compartilha as próprias emoções.

Por hora, posso dizer que com todos os meus bloqueios – porque sim, existiram outros que duraram um pouco menos e não tiveram um impacto para que eu me lembrasse com o passar dos anos – aprendi algumas coisas: 1) Eu nunca vou deixar de me encantar com a escrita, com o poder de tocar e ser tocada pelo outro, pela beleza que eu enxergo em cada vírgula, poema, página em branco, reticências... 2) E enquanto eu puder vou continuar fazendo, ainda que só para mim, pois é a minha maneira de lidar com o mundo. 3) E, caso eu esbarre em alguém que seja tão apaixonado – leia: louco – por um encantamento tão banalizado e esquecido que é a literatura (seja ela extraordinária ou humildemente a minha), por um segundo ou dois a sensação será a de que minha alma trocou de casa por alguns segundos, de que eu encontrei o motivo pelo qual eu comecei a escrever, ainda criança; de que eu reencontrei a Gabriella que passava horas, dias, enfiada em páginas e páginas e chorou todas as vezes que foi ao Museu da Língua Portuguesa... Isso, ouso te chamar de meu amigo, não tem preço. 

Mas, em todo caso, se algum dia eu desistir de escrever, voltarei ao meu segundo bloqueio em paz, afinal, tudo já foi escrito.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Pensamentos e um café

Sentada, tomando uma xícara de café e divagando, olhei para a parede e dei de cara com uma foto minha – uma das minhas preferidas: de perfil, com o riso fácil, olhando o horizonte, com os cabelos ao vento. E era como se eu ouvisse aquela versão de mim, dizendo a mim mesma: “Sorri menina, esse sorriso é tão elogiado e não é à toa, olha esse mundo de oportunidades e possibilidades à sua volta, corre para conquistar os sonhos que ainda não conquistou e sonhe o mais alto que puder.” Dei um soco na mesa. Desculpe, não consigo controlar meus sentimentos muito bem. Ainda. Porém, consegui segurar as lágrimas dentro dos olhos e corri para o computador para escrever antes que eu me esquecesse.

Com o pensamento acelerado, não consigo distinguir muito bem o que eu espero de mim mesma, nesse momento dizem que só posso aproveitar o luto. Percebi que ele é o meu próprio luto, me doei, modifiquei e apaguei tanto de mim mesma que agora o vazio me desespera. Tenho uma pasta no computador cheia de textos pela metade; na estante, cinco livros me esperam para contar como terminam suas histórias; minhas matérias da faculdade estão entre 70% e 98%, não concluo nenhuma. E hoje me desafiei a terminar algo: esse texto – ou lembrete, carta, aviso – a mim mesma. Não sei se esse problema que passei a ter com conclusões tem a ver com o fato de que não consigo mais me concentrar sozinha, ou se é justamente o contrário, me tornei dependente de sempre ter algo que dependa de mim.

Mas, me esqueci do mais importante, eu já tenho algo que depende 100% de mim: eu mesma. Aquela menina sorridente da foto me olha com ternura, como se estivesse orgulhosa por tudo que já conquistei de lá para cá, e dizendo para eu ter calma e prestar atenção em cada flor e pedra no meu caminho, pois quando eu olhar para trás irei me orgulhar das pequenas alegrias dos meus dias e dos grandes ensinamentos que tirei dos momentos difíceis. Ela me diz também: “Não abra mão de tudo o que compõe o que você é por ninguém, pois os caminhos se cruzam e descruzam ao longo da vida, mas só você mesma estará lá do começo ao fim.” Acho que devo começar a ouvi-la, afinal.

Ontem eu ri na cara do perigo. Olhei dentro dos olhos de um – atualmente – amigo. O mesmo amigo que há alguns anos foi embora da minha vida e me levou junto, não havia sobrado nada de mim para contar a história. Hoje, cinco anos mais madura (e calejada) eu o olhei dos pés a cabeça e me orgulhei da mulher que me tornei desde que ele foi embora e me levou consigo, do quanto eu consegui me reinventar e me superar. Penso que se eu consegui me achar em um momento onde achei que não havia sobrado nem eu mesma; consigo agora, mesmo com meu peito doendo como se tivessem arrancado meu coração com as mãos, igual a bruxa da Branca de Neve faz.

No final das contas, percebo que somos eternos aprendizes, nosso eu do passado nos olha com orgulho do que somos e nosso eu do futuro nos olha com ternura e paciência. Se pudéssemos pular os maus bocados da vida, quase nada sobraria. Essa mesma menina de riso fácil me espera lá na frente, rindo do quanto eu chorei por isso tudo; mas ela nada pode fazer, além de me observar passar por tudo isso. Bom, hoje eu salvo esse documento, desligo meu computador e volto ao meu café. Quem sabe aquela menina da foto não me conte mais algumas coisas.